quinta-feira, agosto 31, 2006

Salazar, ele sabia.

Nestes dias que cercam o centenário do fraco e tristonho Marcelo Caetano muitos falaram dele, e com a razão de maldizer e desmascarar aquele que invejava e era imensamente inferior a Salazar, dentre as tantas provas fáticas, os escritos, a obra em si, a visão do futuro e das suas possibilidades são também mostras da capacidade:
"Quando tomei posse do cargo de Vice-Presidente da Comissão Provincial de Angola da União Nacional, o Dr. Castro Fernandes, Presidente da Comissão Executiva da U.N. levou-me, a mim e aos restantes membros angolanos, ao Forte de S. João do Estoril, a fim de visitarmos Salazar".Comigo, iam os Dr.s Neto de Miranda (a), Penha Gonçalves (b), Aníbal de Oliveira (c), Carlos Alexandrino da Silva (d) e Eng. Bessa Victor (e).Entramos em uma sala modesta com uma mesa grande ao meio, em redor da qual nos sentamos. Pouco depois chegou Salazar que nos cumprimentou fitando-nos bem nos olhos, penetrantemente.O Dr. Castro Fernandes apresentou-nos e disse que tínhamos ido ali para o cumprimentar.Salazar, sorridente, respondeu afectuosamente e depois, um a um, perguntou o que fazíamos e quais eram os nossos propósitos.Chegada a minha vez, deteve-se mais, dadas as múltiplas funções que desempenhava, como Vice da U.N., Vice da Associação Industrial de Angola e Representante da Companhia Mineira do Lobito.Fiquei, então, a reconhecer o conhecimento profundo de Salazar sobre as coisa e gentes de Angola, citando nomes, funções e até números.Em certo momento, perguntou-nos de chofre:- Que pensam duma possível independência de Angola?Ficamos todos calados sem saber que atitude tomar.Salazar, curioso, fitando-nos por cima dos óculos, insistiu na pergunta.O Dr. Castro Fernandes resolveu, então, responder por nós, porém Salazar, com um gesto, dissuadiu-o. Queria uma resposta nossa.Em face do silêncio dos outros, comecei:- A independência é inevitável. Angola cresce e com ela a ambição de nos governarmos sozinhos, embora ligados sempre a Portugal por laços não só afectivos e culturais como comerciais. Queremos, no entanto, uma Angola para todos, brancos, pretos e mestiços, em que não haja maioria de cores, mas maioria de idéias.E espraei-me com entusiasmo sobre este assunto que me apaixonava, não obstante os acenos dos Dr.s Castro Fernandes e neto de Miranda para que parasse.Salazar olhava-me impassivelmente, enquanto eu falava, e eu não sabia se estava a agradar-lhe ou não, nem, na altura me importei.Ele perguntara e eu respondia com a minha verdade, que poderia não ser igual à sua. Quando esgotei a argumentação, fez-se um silêncio gelado e eu senti-me isolado, talvez mesmo arrependido.Salazar falou então, pausadamente, como quem está dando uma lição:Há bastante tempo que pensava na autonomia de Angola conducente à independência, no entanto achava que era cedo para tal se concretizar porque reconhecia que Angola e sobretudo Moçambique, que, inevitavelmente, desejaria seguir Angola, não tinham ainda uma elite capaz de, em todos os escalões, as governar, quer branca, quer preta, Havia falta de gente em quantidade e em qualidade, pois nada garantia que, entre os portugueses de Angola, todos aderissem à independência e se assim fosse essa pequena elite ficaria mais desfalcada. Por outro lado, a ONU só aceitaria uma independência com "os pretos governando" e isso poderia ser perigoso para a estabilidade da província. Assim, era preferível adiar a solução para tempos mais calmos e, quanto á guerra, não temia os resultados, pois seria ganha por quem melhor resistisse e em Portugal havia divisas necessárias para a prolongar anos e anos. Os Movimentos cansar-se-iam. O que receava era a retaguarda. Essa sim poderia ruir e então aconteceria o imprevisível, talvez o descalabro do país.Não disse se lhe agradou, ou mesmo se concordou com a minha exposição. Ouvira e dera a sua opinião, depois da qual se despediu, acompanhando-nos amavelmente até quase ao portão de saída".
Testemunho de Fernando Sá Viana Melo.

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