quarta-feira, novembro 05, 2008

"O poder e a negritude ".

"Parece feitiço, mandinga, não sei bem o quê. Devo ter sido influenciado pelo comercial de 30 minutos exibido na noite de quinta-feira nos Estados Unidos. Aqui, num gesto inaudito, não passaram. Qualquer coisa a ver com a proibição de “comerciais estrangeiros”. Todos aqueles CSI não são, por natureza e feitio, comerciais. Meros reflexos filosóficos da nação irmã desta aqui que tão carinhosamente me acolheu. A mim e a muita outra gente que não presta também.
Monteiro Lobato, como Balzac, na marchinha, atirou na pinta: mulher só depois dos trinta. Não é isso que eu queria dizer. Minha mente se confunde com a profusão de sentimentos diante da inédita eleição. Monteiro Lobato atirou na pinta, sim. Só que foi quando escreveu, em 1926, um livro, seu único romance, chamado O Presidente Negro.
Era passado no ano de 2228. Incrível, o bruxo paulista acertou o 8 final! De resto, a obra não tinha absolutamente nada, mas ab-so-lu-ta-men-te nada, de profético. Nem a mais remota semelhança com um mínimo de situações políticas relativas às terras do Tio Sam, como a chamava o esplêndido autor de O Sítio do Picapau Amarelo.
O livro não chegava a ser um argumento. Nem convidava à polêmica. Empolgados com o título, todas as editoras brasileiras reeditaram-no. Agora, Os Doze Trabalhos de Hércules ou A Chave do Tamanho, que são bons demais, nada, neca, neris de petibiriba.
O presidente negro. Continuo meio sem entender a empolgação tanto de leigos quanto da crítica especializada com o fato. Olhem para a Nigéria. Passem os olhos na República Democrática do Congo. Examinem a Rodésia. Analisem a África do Sul. Confiram a Somália. Chequem a Ruanda. Lupa no Quênia. Todos esses países têm presidentes negros. Ou líderes negros.
Não vejo primeira página de jornal destacando ou enaltecendo o fato. Isso é muito natural. Nem é preciso atravessar o Atlântico de oeste para leste ou de norte para sul, conforme vaticinou, agradecido por ausência de crises financeiras, o presidente Lula da Silva, em pronunciamento recente. Nós mesmos, brasileiros, esquecidos que somos, já tivemos presidente negro. Ou beirando o negro. Fernando Henrique Cardoso não disse para toda a nação ouvir que “tinha um pé na cozinha”? Disse. Foi um belo e corajoso pronunciamento. Só entenderam o lado maldoso da frase. Se podemos chamar de lado maldoso.
Como exclamaria o quase (que lacuna, que vazio esses meses até a posse de Obama…) ex-presidente George W. Bush: "O quê? Como? Hem?"
***
Acima mencionei de passagem Ruanda. Injustiça minha. Deveria ter ficado por lá ao menos uma semana, até melhor entender essa desavença entre hutsis e tutus, ou hutus e tutsis, dependendo do ponto de vista, moral étnico e filológico.
Pois só agora soube, quando eu já estava de malas prontas, que Ruanda e os ruandeses, liderados pelo presidente (negro, sim senhor, e com muita honra) Kagame, prenome Paul, que eles todos, por uma vez unidos, preferiram passar para o inglês como língua oficial, deixando para lá as decantadas belezas do idioma francês. Cansaram-se, os ruandeses de parlevú pra cima e pra baixo. Agora é na base do espiquingres. No que fizeram muito bem. A história julgará e inocentará, estou certo, os responsáveis pela escolha. "(...)
De Ivan Lessa.

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